Por Dom Sérgio Eduardo Castriani, Arcebispo Metropolitano de Manaus e colunista do Jornal Folha de Carauari.
No Vaticano 2º, houve uma ruptura com a tradição da Igreja ou devemos ver as suas intuições e orientações como continuidade? A questão não é esta. A preocupação última de toda renovação eclesial é sempre a fidelidade a Jesus Cristo. Se acreditamos que a Igreja foi fundada por Ele, é importante que nas suas estruturas e práticas ela permaneça fiel ao seu fundador. Se no decorrer da história vão surgindo práticas e estruturas que a desfiguram ou a impedem de anunciar o Reino de Deus como Jesus o fez e, sobretudo de viver como Jesus viveu, estas práticas e estruturas precisam ser revistas.A Igreja na Amazônia tem feito isto, constantemente. Seus bispos têm uma tradição de encontros onde procurando interpretar os clamores da humanidade que vive neste pedaço de mundo de valor inestimável para todos os habitantes deste planeta, examinam as suas opções e estratégias pastorais para continuar a viver em fidelidade ao Evangelho. Foi esta a razão do primeiro encontro da Igreja católica na Amazônia legal. Bispos, padres, religiosos e religiosas, leigos e leigas, todos agentes de pastoral, ouviram especialistas e ativistas sociais descreverem o quadro político, jurídico, social e religioso da Amazônia.A realidade desafiante das cidades que nas beiras dos rios e das estradas explodem ou permanecem no marasmo, foi colocada diante dos participantes com os desafios que brotam da falta de saneamento básico, dos altos índices de violência e assim por diante. A situação dos povos indígenas e quilombolas que assistem um assalto aos seus direitos constitucionais, os grandes projetos como é o caso das hidroelétricas e o agronegócio foram explanados nos seus aspectos jurídicos e sociais. Também o trânsito religioso e o abandono crescente das religiões institucionais e tradicionais foram analisados.Mas o que mais tocou os corações dos pastores foi sem dúvida nenhuma o quadro perverso do tráfico humano, onde meninas e meninos, mulheres e homens são transformados em mercadoria, num sacrifício trágico ao deus mercado, que transforma tudo em mercadoria e destrói a alma dos indefesos.Diante deste quadro, a Igreja quer continuar fiel a Jesus Cristo. E esta fidelidade implica caridade e profecia. Caridade e profecia nascem da fé e só subsistem onde existe esperança.Bastaria uma única menina explorada numa balsa de apoio às dragas que exploram o seixo nos altos rios, bastaria o assassinato de um único jovem para queima de arquivo, ou a destruição de um único pedaço de terra com diversidade biológica irrecuperável para que o nosso coração se sentisse ferido de morte. Mas os números são trágicos.Permanecer indiferente ou propor uma religião que seja puro entretenimento e transformar sentimentos e sensações em uma mercadoria a mais, não pode ser o caminho de renovação da Igreja.Se pelos frutos se conhece a árvore, só solidariedade, compromisso e profecia são sinais de que estamos anunciando o Reino, pequena semente que carrega em si a promessa de uma árvore frondosa.
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